6 de abr. de 2009

Valores morais no ciberespaço e a convivência online

Considerado pela crítica como bem-vindo e oportuno, o artigo intitulado “Gender, Race and Morality in the Virtual World and Its Relationship to Morality in the Real World”, publicado em Fevereiro último na revista científica Sex Roles, relatando um estudo liderado por Linda Jackson, professora de psicologia da Michigan State University, busca descobrir se os valores morais da vida real se transferem para o mundo virtual. Conforme os próprios autores, trata-se da primeira investigação sistemática dos efeitos de gênero e raça sobre a moralidade de menores no mundo virtual, e até que ponto isso está relacionado com a moralidade desses menores no mundo real. O estudo se concentra fundamentalmente em três questões. Primeiro, há diferenças de gênero e/ou raça na aceitabilidade de comportamentos moralmente questionáveis no mundo virtual? Em segundo lugar, o comportamento moral e as atitudes morais no mundo real servem como elementos para se prever a aceitabilidade de comportamentos moralmente questionáveis no mundo virtual? Finalmente, será que a freqüência de uso da tecnologia (computador, internet, video game, celular) determinam a aceitabilidade de comportamentos moralmente questionáveis no mundo virtual?


A pesquisa se baseia nas respostas de 515 estudantes do sétimo ano (12 a 13 anos de idade) a perguntas sobre aceitabilidade de ações “virtuais”. Essas ações incluem espalhar vírus de computador, enviar por e-mail a amigos as respostas a questões de exames escolares, ver pornografia, e enviar mensagens sexualmente explícitas a estranhos. A pesquisa compara esses resultados a perguntas sobre o comportamento no mundo real como colar (ou “filar”) nos exames escolares, abusar ou importunar colegas (em inglês “bullying”), mentir para os pais ou professores, e usar expressões racistas.


Os autores chamam a atenção para o fato de que o que mais se aproxima de uma consideração do comportamento moral no mundo virtual é a chamada política do “uso aceitável”. Provedores de serviços de internet, assim como instituições públicas e privadas que provêem acesso à internet (como, por exemplo, escolas) normalmente exigem que os usuários assinem um termo de compromisso concordando em evitar comportamentos virtuais inaceitáveis. Entretanto, não fica claro se os menores enxergam a adesão a tais termos como um “imperativo moral”. Igualmente, não está claro se a moralidade desenvolvida no mundo “real” influencia as crenças sobre o que constitui comportamentos imorais ou inaceitáveis no mundo virtual. Surge a questão: existem dois mundos diferentes quando se trata de moralidade?


Embora os resultados da pesquisa indiquem que a moralidade no mundo real dá uma idéia de como crianças vêem comportamento online questionável, o relacionamento se mostrou fraco, conforme a professora Linda Jackson. Isso sugere que outros fatores influenciam a moralidade online, e que “há uma disparidade entre a forma como crianças pensam sobre moralidade ou virtude no mundo virtual e no mundo real, e que portanto há algo mais.” O que é esse algo mais, ainda não está claro. É preciso entender melhor o processo de conceitualização desse novo mundo virtual, e se os menores de fato o pensam como separado. Não é difícil imaginar como uma criança desenvolveria essa percepção, pois em 90% das vezes, eles sabem mais sobre esse mundo virtual que seus próprios pais. Isso pode inclusive passar uma sensação do tipo “talvez meus pais saibam muito sobre o mundo real, mas quando estou online, é meu mundo”. Como agravante, para os menores que têm seus próprios computadores, a percepção tende a ser de que sua privacidade está garantida e que é possível fazer tudo no mundo virtual sem correr o risco de ser apanhado.


Como conclusão e recomendação final, os autores afirmam que intervenções educacionais que sejam culturalmente sensíveis precisam ser desenvolvidas para assegurar que todos os menores, independente de raça ou gênero, entendam que certos comportamentos virtuais são inaceitáveis, e que, na verdade, podem vir a ser psicologicamente prejudiciais, como a violência excessiva em vídeo games, ou fisicamente perigosos, como contactar estranhos online.


A busca pelo conhecimento científico apropriado para o enfrentamento dessas questões faz parte de um projeto mais amplo de criação, no âmbito da UFPE, de um Centro de Estudos de Internet e Sociedade à luz de exemplos bem sucedidos como Harvard e Stanford. O objetivo é explorar e entender o ciberespaço; estudar seu desenvolvimento e dinâmica, suas normas e padrões; e avaliar a necessidade ou a falta de leis e sanções para esse novo espaço de convivência. Agindo como um forum interdisciplinar, o Centro deverá buscar reunir estudiosos, acadêmicos, legisladores, estudantes, programadores, pesquisadores em segurança da informação, e cientistas para estudar a interação entre as novas tecnologias e as ciências sociais (Direito, Economia, Sociologia, Psicologia, Pedagogia) e examinar como a sinergia entre essas disciplinas pode promover ou prejudicar bens públicos como a liberdade de expressão, a privacidade do indivíduo, os comuns públicos, a diversidade, e a investigação científica. A intenção é fomentar ações que melhorem tanto a tecnologia quanto as leis e as regras de convivência social, encorajando os tomadores de decisões a projetar tanto as leis como as tecnologias como veículos do aprimoramento dos valores democráticos.

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog sempre às segundas.

Fonte: http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/03/16/valores_morais_no_ciberespaco_e_a_convivencia_online_42800.php

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